Admiro Tati Bernardi há alguns anos já. Não só pela coragem de se mostrar vulnerável publicamente (o que já seria muito), mas principalmente por fazer isso ocupando uma posição de prestígio intelectual e, ainda, sendo mulher. Como já contei aqui algumas vezes, sou formada em medicina pela UFBa e em psiquiatria pela USP, então, posso dizer com tranquilidade que conheço os meandros da Academia e ninguém, repito, ninguém se expõe assim. É evidente que existem limites técnicos no qual um professor de psicanálise, por exemplo, dificilmente poderia se expor do jeito que a Tati consegue, mas, daí acabamos caindo na armadilha do oposto: ninguém se expõe e ponto, todos se escondem num pseudointelectualismo que é chato, sem graça e sem vida. Nada é autêntico.
Sou uma baiana morando em SP, então me identifiquei (e gargalhei) com algumas situações descritas pela autora sobre a bolha paulistana. Ela não nomeia dessa forma, mas acho que a palavra-chave ideal para a sensação do livro é estrangeirismo.
Sentir-se estrangeiro não tem a ver apenas com o país que você nasceu, pode incluir também ter nascido em outra região, ter feito outra faculdade além da USP (no começo da minha especialização médica, diferenciavam quem era “da casa” de quem era “de fora”) ou ainda ter nascido em outra classe social. Tati nasceu a poucos quilômetros de distância da “elite”, ascendeu socialmente mas não se sentia bem em nenhum lugar. É a reprodução viva do não- lugar do estrangeiro (“e eu jamais poderia retornar para o lugar de onde vim, tampouco sentia que podia me sentir bem de verdade no lugar onde cheguei”).
É impossível não perceber sinais da influência de Elena Ferrante nessa obra, como Tati mesmo aponta. Na Tetralogia Napolitana, vemos o não-lugar de Lenu, que sai de Nápoles, faz uma excelente faculdade, mas continua sendo menosprezada academicamente e no casamento por seu sotaque e origem. Por outro lado, também não se reconhece mais no bairro, tem repulsa dos lugares que frequentava quando criança, se espanta com a pobreza que convivia diariamente.
A boba da corte é um relato ágil, feroz e muito sincero. Tati é uma autora (e pessoa, arrisco dizer) do tipo “ame ou odeie”, que tem o grande mérito de não ficar em cima do muro. Você pode odiá-la, mas por mais que queira, não dá pra chamá-la burra. Tati é genial!