A primeira vez que vi esse título foi no estande da Editora Todovia na Feira do Livro da Unesp. Já peço desculpas antecipadamente pelo desvio, mas esse valerá a pena porque essa feira tem o melhor custo-benefício que já vi! A feira acontece no campus da Unesp, que está localizado literalmente ao lado do metrô Barra Funda, então o acesso é 10/10. Além disso, a entrada é franca, todos livros têm pelo menos 50% de desconto e a curadoria é incrível, variando desde editoras mais pops, como Record, Companhia e Intrínseca, até editoras ligadas a universidades e outras menos conhecidas como Malê, Pallas e Ubu.
Agora, voltando ao tema, o livro me chamou atenção pelo título já que sou filha de uruguaio e esse não costuma ser um país que ouvimos falar muito para além de futebol, doce de leite e Mujica.
“A uruguaia” relata um dia da vida de Lucas Pereyra, um escritor argentino de 40 anos que está passando por uma crise conjugal (e existencial). Lucas se sente frustrado com sua rotina entediante de pai e marido e não consegue mais escrever. Com isso, passa grande parte do seu tempo fantasiando sobre uma jovem uruguaia que conheceu num festival literário.
Lucas recebe a oportunidade perfeita para encontrá-la do outro lado do Rio de la Plata: conseguiu um adiantamento de 15.000 dólares e pretende buscá-los em Montevidéu para driblar os altos impostos argentinos. Como era de se esperar, no Uruguai as coisas saem de controle e Lucas terá que encarar as consequências na sua volta para Buenos Aires.
O mérito de Mairal está em conseguir transmitir tão bem o desespero experienciado por seu protagonista, desespero esse que, pelo menos em parte, todos experimentamos. É um relato nu e cru sobre as dificuldades do casamento e da criação de um filho, mas principalmente sobre as frustrações da vida adulta, sobre o sufocamento dos nossos sonhos. Sem dúvidas, é um autor muito talentoso que vale ficar de olho.
Minha única ressalva é o fato de ter tido dificuldade em me identificar com alguns comportamentos do personagem, mas acredito que isso venha do fato do protagonista ser homem. Já identifiquei o mesmo padrão em outros autores que costumam causar grande comoção, como Philip Roth ou Jonathan Frazen, autores que trazem um mundo centrado no masculino.
“A uruguaia“ foi um grande sucesso nos países de língua espanhola, foi adaptado para o cinema e o autor chegou a ganhar o prêmio Tigre Juan de melhor romance de 2017, mas aqui infelizmente (ainda) teve um alcance restrito. Esse descompasso entre o que faz sucesso no Brasil e nos demais países sul-americanos é algo que quero pesquisar futuramente (quem sabe teremos uma news sobre isso?).
Separei alguns trechos que me marcaram:
“Eu nunca deixava meu e-mail aberto. Nunca mesmo. Era muito muito cuidados com isso. Me tranquilizava saber que havia uma parte do meu cérebro que eu não dividia com você. Sentia necessidade do meu cone de sombra, da minha tranca na porta, da minha intimidade, nem que fosse só para ficar em silêncio. Essa coisa siamesa dos casais sempre me aterroriza: mesma opinião, mesmo prato, porre em dupla, como se os dois tivessem a mesma circulação sanguínea.”
Como você sabe, adoro meu filho. É a pessoa que eu mais amo no mundo. Mas às vezes ele me esgota. Não tanto ele quanto minha preocupação constante com ele”.
Livro: A uruguaia
Autor: Pedro Mairal
123 páginas
Nota: 4/5