“Fim” é um livro às avessas, como já anuncia seu título. Seu início se dá no crepúsculo da vida de 5 amigos cariocas; e se desenvolve a partir das semelhanças e diferenças de cada uma das suas mortes.
Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro são 5 homens abomináveis. Ouso dizer que nunca havia lido um livro no qual detestei tanto todos os personagens antes desse. Fernanda é tão boa que te faz odiá-los cada um a sua maneira, ao mesmo tempo em que te arranca risadas incrédulas.
Me impressionou ver retratada de maneira tão nua os lados sombrios da velhice. A degradação do corpo, a restrição da rotina a consultas médicas, o isolamento e o abandono. Numa análise superficial, pode parecer injusto um enterro apenas com dois convidados como foi descrito no livro, mas vale a pergunta: quem foi essa pessoa em vida? Foi um bom pai? Marido? O “buraco é mais embaixo” e não existem respostas simples. Existem diversas maneiras de envelhecer de forma saudável (ainda bem!), mas Fernanda aponta para onde não queremos olhar. Envelhecer é difícil, morrer em casa, por exemplo, pode não ser tão bonito como nos filmes. Quem vai ser responsável por contratar a funerária? O médico preencheu a declaração de óbito? Vamos cremar ou enterrar?
Todos sabemos que a morte é o único desfecho possível para toda vida humana, no entanto, ser confrontado cruamente com a finitude está longe de ser algo cotidiano (ou brasileiro). Tecnicamente, existem vários textos que trabalham essa negação, mas trocando em miúdos, faz parte da nossa proteção “esquecermos” que vamos morrer para podermos seguir em frente, viver. Se não “esquecermos” que somos mortais, ficaríamos paralisados pelo medo da morte (ver o livro “A Negação da Morte”, de Ernest Becker” ou os trabalhos do psiquiatra Irvin Yalom, especialmente “De frente para o sol”). O problema, porém, se impõe quando esquecemos “demais” que somos mortais, vivendo como se existissem outros atos, outras vidas, como se tivéssemos direito a rascunho. Como achar um equilíbrio?
Fernanda Torres inaugura sua carreira literária de forma surpreendente, cômica e trágica, como o teatro, sua herança de berço. Seu talento se reflete na imensurável aversão que produz a partir da construção de personagens tão odiosos. Trazer como pano de fundo a cidade do Rio de Janeiro é sempre um acerto também.
Nota: 4/5